Preconceito e a Ciência do Estereótipo

A categorização pela aparência é um recurso evolutivo. Classificar de acordo com o aspecto é uma das funções mentais mais importantes que desempenhamos, por isso fazemos inconscientemente e o tempo inteiro. Preconceitos à parte, classificamos letras, cores, tamanhos, formas, conteúdo e até datas de maneira natural e automática. Se nosso cérebro não tivesse evoluído para funcionar assim e tratasse tudo que encontramos como algo singular, seria comum sermos comidos por tigres enquanto julgaríamos se aquele animal listrado é perigoso ou pacífico. Graças ao pensamento classificatório pela aparência, podemos transitar entre cães e mesas com agilidade e eficiência. Até a leitura desse artigo depende de nossa capacidade de classificar letras e símbolos.

Esse processo não nasceu de avaliações ou princípios morais, foi evolução. As rotulagens também impactam nossa interpretação acerca de outras pessoas, principalmente quando elas se incluem ou não aos grupos sociais de que fazemos parte. A tendência a estarmos abertos e a criar laços com quem se inclui aos nossos grupos ou a quem possui aspectos similares é bem maior e influencia as avaliações que fazemos. A origem desses comportamentos não data do século XX, é consequência de um processo histórico de centenas de milhares de anos. Quando tribos de primatas reconheciam membros de tribos rivais pelos aspectos característicos, podiam se defender. Uma união de memória, associações e aparências estéticas que recebem observações e adesivos emocionais. Uma prova é que o “teste de associação implícita” (IAT) se tornou um instrumento da ciência para medir o grau com que um indivíduo associa aspectos a padrões sociais.

Mesmo que nossas avaliações sobre outras pessoas pareçam racionais, elas são alimentadas por processos automáticos e inconscientes, inclusive sobre a regulação das emoções associadas. Advogados, médicos, torcedores de futebol, políticos e membros de religiões tendem a sentir mais afinidade e puxar a sardinha, quando não um tubarão inteiro, para seus grupos. Vários testes de IAT sobre preconceito racial provaram o caráter inconsciente (70%) da estereotipagem, inclusive surpreendendo os próprios membros da pesquisa.

Não teríamos resistido como espécie, muito menos como indivíduo, sem nossa habilidade de categorizar e rotular. Mas para superar as tendências culturais que emplacam o inconsciente o empenho é imprescindível. Uma boa técnica é sair do automático e ponderar com cautela quem estamos julgando. O contato repetitivo com membros de aspectos e categorias distintas funciona bem como remédio contra os traços negativos que a sociedade atribui às pessoas.

Rodrigo Batalha

É escritor da Ed. Saraiva, palestrante e consultor comportamental