A dança da felicidade

Histórica e cientificamente as coisas parecem ressoar com certa consonância. Por muitas gerações nosso sistema bioquímico foi condicionado à necessidade de sobrevivência e reprodução. Jamais esqueça, somos animais. A felicidade, portanto, era consequência, não projeto. Com uma estratégia matreira de vendas, nosso cérebro utiliza esse sistema para nos recompensar com sensações de bem-estar sempre que agimos por sobrevivência e reprodução a fim de evitar a dor da fome e desfrutar o sabor de aprazíveis orgasmos. O detalhe é que a fome bate de novo e o prazer do sexo é fugaz. Voltar à estaca zero é parte da dicotomia do engenho!

Ao ser promovido de forma inesperada você faz uma festa. Quando marca o gol da vitória do seu time ou conquista uma vaga na faculdade, irrompe em exultação. O detalhe é que as partes mais rústicas do cérebro não entendem bulhufas de promoções, futebol e universidades. Horas ou dias depois a ebulição do prazer vira abóbora, e você se acostuma a essa nova realidade. O que um dia foi êxtase, já não passa de um padrão comum. Se a felicidade for resumida a processos bioquímicos, precisamos estimular novos e frequentes ápices de substâncias estimulantes ou uma boa dose de contentamento ajudaria?

Sabemos que sensações agradáveis são passageiras. A qualquer momento se tornam desprazer e fazem com que o jogo das explosões emocionais pareça fazer sentido. Se as sensações de excitação com um esporte são tão transitórias quanto o tesão da vitória, e a lembrança desses momentos não promove um milésimo do prazer experimentado na vivência real, o lance, para muitos é aumentar a dose.

Da mesma maneira que cobaias (ratos) ficam viciadas em apertar pedais para receber excitação cerebral através de eletrodos, executivos, políticos, jogadores de pôquer, viciados em internet ou garanhões das baladas precisam cada vez mais viver novas sensações para alcançarem o que, por alguns momentos, acreditam ser felicidade. O problema é que as expectativas se adaptam às condições, e o que ontem foi o máximo, hoje é um tédio. A velha montanha russa emocional de quem se autosabota e sapateia em seus próprios interesses.

Digamos que o teto de vidro da felicidade seja suspenso por pilares biológicos e psicológicos. Pelo segundo prisma, dependemos mais das expectativas do que de condições objetivas. Fato é que a maioria vive um desconhecimento total dos significados que atribui aos fatos. Se quando as coisas melhoram as expectativas tendem a crescer, melhoras consideráveis nas condições humanas nos últimos anos não provocaram contentamento via significado, e sim, mais expectativas.

O resultado é a procura incessante por novos ápices, que por sua vez, provocam frustração, decepção, tédio e insatisfação. Então entram em cena drogas e medicamentos, para biológica e fugazmente cumprirem o papel de atenuar a dor da baixa ou patrocinar novo auge excitatório. É o preço do hedonismo, que em geral propõe uma vida sintética, frívola e sem sentido.

Criar o contentamento através de novos significados – não pela realização frenética e antálgica de insaciáveis expectativas e déficits bioquímicos – seria um passo importante para o equilíbrio e a constância emocional, assim como buscar tons mais sutis (elevados) de espiritualidade.

Nesse pax de deux entre a dor e o prazer, a dança emocional flui com naturalidade entre saltos, piruetas e quedas quando se assume o controle. Saber contentar-se não tem a ver com perda, mas com o ganho do autodomínio e da consciência de que a felicidade genuína não carece de muletas ou pretextos.

Rodrigo Batalha é escritor, palestrante e consultor para alto desempenho humano – Veja nos depoimentos.