Liderança no Brasil após a lei anticorrupção

O poder é um camaleão ao contrário: todos tomam sua cor. Com esse axioma latejante no inconsciente, o brasileiro manteve constante seu conceito de liderança nas últimas décadas. De acordo com esse conceito o maior dos predicados de um líder, lustrado até então, é a habilidade das boas relações com o político camaleão. Por que razão, se, para ser bem-sucedida, uma empresa tem que nascer, evoluir e se consolidar através da qualidade de seu produto e de uma gestão competente?

Os mecanismos velados que se arrastam por trás da cultura de que um líder empresarial deve trazer tais relações com agentes políticos todos sabem quais são: contratos, superfaturamentos, caixa 2 e a propina de sempre. Esse tipo de líder é exatamente como um partido político: um eufemismo elegante para poupar o homem do vexame de pensar.

Quem melhor descreveu esse universo foi Groucho Marx, que disse que a política é a arte de procurar problemas, encontra-los, diagnosticá-los de forma incorreta e depois aplicar mal o remédio errado. Dúvida nenhuma de que os gestores das empresas que acreditam ser essencial a libertinagem com o Estado estão entre tais remédios (placebos).

Ora, a Lava Jato nos mostrou como funciona a mente desses grandes líderes, que antes da operação até (pasme) ministravam palestras sobre liderança, enaltecendo atributos como paixão, foco e resiliência. O público aplaudia eloquente aquele teatro demagógico dos hoje notórios criminosos. Natural, pois ignorar a própria ignorância é a doença do ignorante. Palestraram gestores da Odebrecht, OAS, Camargo Correa, JBS, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Sete Brasil e outras tantas, que depois demitiriam quase 1 milhão de pessoas com o início da força tarefa. Foi isso que demonstrou essa liderança que prima pelas boas relações com o Estado, além de um rombo de quase 100 bilhões aos cofres públicos. Groucho não conhecia o Brasil.

Prestar consultoria sobre comportamento para empresas é constatar a inépcia técnica comportamental para gerir pessoas na grande maioria dos executivos, muito hábeis em negociatas, charutos, esquemas, parlamentares e taninos, e uma falácia em quase todo o resto. Levanta, sacode a propina e da a volta por cima…

Em contrapartida, o que dizer da Apple, que estabeleceu uma reputação ímpar na indústria de eletrônicos de consumo, e hoje é a companhia mais admirada nos EUA? Focada em competência, inovação, criatividade e alto desempenho, a gigante de Cupertino se tornou a primeira norte-americana a superar a marca de US$ 800 bilhões em valor de mercado. Alguém ousaria dizer que Steve Jobs e Tim Cook passavam os dias feito cadelas no cio atrás de políticos corruptos, como fazem diretores comerciais, institucionais, presidentes e outros mindsets brasileiros? Que conjectura de liderança é essa que enaltece a incompetência intrínseca ao caráter infame e à incapacidade de liderar?

Gustavo Franco dizia que é fortíssimo no Brasil esse DNA rentista, propenso ao extrativismo e avesso ao suor, ao individualismo e à produtividade. Vou além. A liderança cultivada por aqui que engloba as relações espúrias entre empresas e Estado nas esferas federal, estadual e municipal, só prova que o subdesenvolvimento nacional não se improvisa, é uma obra de décadas de uma cultura bancada pelo subdesenvolvimento moral, técnico e valoral.

O exemplo fez brotar gerações de brasileiros que ao invés de empreender, raciocinam com a mesma astúcia de um mamão papaia. Para eles o grande pulo do gato é passar em concurso público, ocupar cargo comissionado, se beneficiar com a Lei Rouanet, ser bancado por alguma autarquia ou nomeado para função gratificada. Se os úberes do Estado são o desejo ardente do líder mambembe, quem banca o Estado?

Quem põe leite no erário são os que praticam gestão econômica competente, inovação, tomam decisões duras, usam a criatividade, incitam a transpiração coletiva, a excelência e aceitam a competição parelha como mola propulsora do capitalismo. Sim, há inúmeros deles pelo Brasil. São micro, pequenos, médios e grandes empreendedores de atitude; verdadeiros líderes que se negam a cevar relações políticas de calcinha no joelho dando like em fanpage de deputado e senador. Os demais, amantes da política enfadonha que em geral não dispensam a oportunidade de figurar em eventos suspeitos, quando os escutamos falar sobre o amor que têm ao Brasil, sabemos que estão ganhando bem para isso.

Nosso país só dará certo quando superar um traço de caráter irresponsável de seus falso líderes, que levou a Nação a parecer ingovernável. Quando deixar o telejornalismo e a desinformação dos periódicos clientelistas. Quando tiver personalidade suficiente para não mais confundir criminosos com gestores, e quando adotar a ideologia de Churchil, que dizia ser um homem com gostos muito simples: facilmente satisfeito com o melhor.

Não se engane. Debaixo de seu nariz há um governador, um prefeito e vários políticos que aparecem como grandes líderes aclamados pelo rebanho, mas que utilizam a máquina pública para atender suas incontroláveis vaidades e interesses corporativistas, aliados a empresários que figuram como gestores competentes financiados com dinheiro pilhado de merendas e remédios. Serão necessárias muitas gerações para que esse panorama mude, ainda porque a Lava Jato e seus efeitos, como a Lei 12.486/2013 Anticorrupção – que na maioria dos se limita a cartilhas burocráticas, discursos extensos, cortina de fumaça e sofisticação das relações com o setor público. Ética é outra coisa. Um exemplo é a grande mineradora brasileira responsável por duas tragédias em Minas Gerais. Adotou as regras da lei 12.486, tem um discurso forte sobre conduta e um marketing pesado para maquiar multas milionárias não pagas, acordos velados com autoridades e incontáveis crimes ambientais, como o despejo de 630 kg de pó preto “por hora” no ar da Grande Vitória. Manter relações espúrias com o Estado e burlar a lei é uma cultura de 500 anos no Brasil. Não vai acabar com uma lei. É preciso repensar o conceito de liderança. Aqui vai uma dica:

Alexis de Tocqueville nos lembra que ‘é preciso que os governantes se apliquem em dar aos homens esse gosto pelo futuro e que, sem o dizer, ensinem a cada dia, praticamente, aos cidadãos, que a riqueza, o renome, o poder, são o preço do trabalho, que os grandes triunfos se encontram situados ao cabo dos longos desejos e que nada se obtém de durável senão aquilo que se adquire com dificuldade’.